segunda-feira, 9 de abril de 2012

Precisamos desenvolver a cultura do espírito empreendedor


Crescimento. Oportunidades. Aumento de renda. São estas as palavras que estão nos círculos de diálogo

entre amigos e profissionais quando o assunto é o mercado de trabalho. Mesmo considerando o atraso na formação de mão-de-obra em áreas estratégicas (como tecnologia, engenharia, e diversas áreas de nível técnico), estamos caminhando para a ampliação da formação técnica e comportamental.
No entanto, carecemos, e muito, de um modelo educacional que instigue as gerações atuais (em seus cursos de atualização) e as novas gerações (desde a escola até a universidade ou cursos técnicos) a ter o espírito empreendedor. MacGrath (2000 apud Leite, 2006, pg.87) afirma que a falta do espírito empreendedor nas pessoas também tem suas raízes na falta de uma política de educação voltada para desenvolver, na população, o empreendedorismo, desde o banco das escolas ao ensino superior.
De que forma estamos fomentando a capacidade crítica das pessoas? Estamos empurrando modelos antigos e engessados de sucesso para os jovens? Apenas as referências do ontem são expostas para críticas e reflexões? Damos liberdade para que regras e comportamentos sejam questionados? Todas essas indagações podem ser um fator de estímulo ou uma infeliz barreira para que os indivíduos tenham para si o espírito empreendedor que modifica, cria e recria coisas e eventos – tendo como base o conceito de destruição criativa proposto por Joseph Schumpeter.
Conhecer não é verificar, absorver informações, seguir modelos… conhecer é questionar. Para tanto, urge nos nossos ambientes de aprendizagem a abertura e o respeito para questionar a realidade atual, juntamente com todos os vícios e possibilidades de inovação. O espírito empreendedor surge no praticar de pequenas atitudes, no analisar problemas corriqueiros, na reinvenção de estratégias e também no aprendizado do comportamento. O acesso à informação cresce, mas não cresce no mesmo ritmo a capacidade de reflexão sobre aquilo que estamos vendo e ouvindo. É muito mais fácil você copiar e colar (Ctrl c +Ctrl v) os discursos e planos de sucesso ao invés de entender o contexto onde se está inserido e interferir de forma clara e objetiva.
Talvez o Brasil se encontre num momento ímpar na história… Mas essa mesma história precisa ser fortalecida por uma cultura que incentive o empreendedorismo, que concretize no presente um futuro de bons frutos e conquistas. Não se contente… Não se intimide. Você pode revolucionar o mundo de uma forma nunca antes vista, mas para isto tem que começar a mudar a partir de um ponto: você mesmo (a).

Por Ricardo Verçoza – Professor, Administrador, Blogueiro.
@CapitaoCoragem

terça-feira, 3 de abril de 2012

Veduca | Cursos

Veduca | Cursos

Os melhores cursos universitários do Brasil e do Mundo ao alcance de todos

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Entrevista Mario Sergio Cortella - Educar para Crescer

Entrevista Mario Sergio Cortella - Educar para Crescer

Educar para Transformar

 
Por Sheyla Pereira*



A educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. A frase é de um dos maiores pensadores da pedagogia do Brasil e do mundo, Paulo Freire, falecido em 1997. Com sua saga para levar o ensino e a consciência crítica aos mais necessitados, ele serve de inspiração para uma geração de professores. Um de seus discípulos é o filósofo, autor de livros como a “A Escola e o Conhecimento” e “Não nascemos prontos”, mestre e doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde é professor titular do Programa de Pós-Graduação em Educação (Currículo), Mario Sergio Cortella, de quem Freire foi orientador no mestrado.

Assim como Freire, Cortella enxerga na educação muitas saídas para problemas da sociedade. Porém, critica o fato de inúmeras famílias transferirem sua responsabilidade para as instituições escolares. Ele fala ainda da questão escola pública versus particular e como a educação está vinculada à ética, mídia, religião e tecnologia. Leia, a seguir, a entrevista com o filósofo.


 
Sexismos
Segundo o dicionário Houaiss, “preconceito ou discriminação baseada no sexo”. No texto, Mario Sergio Cortella utiliza a palavra sexismo para dizer que as propagandas de cerveja, em sua maioria, colocam a mulher como objeto de consumo.

Conhecimento Prático Filosofia – Há muito tempo, a escola deixou de lado sua função primeira de educar para assumir também o papel social. Dentro do contexto filosófico, qual o peso de cada instituição nessa formação?

Mario Sergio Cortella - Outro dia, um pai de aluno me perguntou: “qual o senhor acha que deve ser o papel da família para colaborar com a educação dos nossos filhos na escola?”. Eu disse a ele, com todo o respeito, que havia um equívoco na formulação da questão, porque não cabe à família colaborar com a escola na educação, mas exatamente o contrário, é a escola que colabora, a família é responsável. A escola assumiu muitas tarefas nos últimos 20 anos, especialmente a escola pública, porque ela é parte da rede de proteção social e, por isso, desempenha tarefas do Estado, entre elas a proteção à vida, segurança e liberdade dos indivíduos. Por isso, cabe sim à escola oferecer educação para o trânsito, ecológica, sexual e até alimentar. Mas não cabe ao Estado, via escola pública, substituir a responsabilidade que a família tem, a menos que ela esteja em situação de descuido total. Cabe à instituição promover a autonomia, a solidariedade e a formação crítica, mas a responsabilidade principal continua sendo da família e ela não pode se eximir disso.

CP Filosofia - Você defende que a escola pública traz mais benefícios aos indivíduos, já que, nas instituições particulares, há uma grande inclinação ao capitalismo e à concorrência. Mas todos nós sabemos que, na escola pública, as crianças ficam abandonadas à própria sorte...

MSC - Depende da escola. Uma parcela das escolas privadas tem um nível mercantil, no sentido puro e simples, outras, não. O foco não deve ser escola pública versus escola particular, mas sim escola boa versus escola ruim. Nós temos escolas públicas de nível bastante elevado e outras, precário. A mesma coisa vale para a escola privada. Porém, existe uma lista imensa das particulares que são facilmente ultrapassadas pelas públicas de nível mediano. Então, não podemos cair nessa armadilha. Vale lembrar que a escola privada no Brasil só representa 13% do total. Quando estamos falando em educação escolar no Brasil estamos nos referindo aos 87% da rede pública. Por isso, é necessário que os governantes tenham um compromisso real com a educação, com a realização de avaliações e exames periódicos, de maneira que o País possa dar os passos para a saída da indigência. Apesar de, muitas vezes, o compromisso que vários dizem ter com a educação ser meramente conveniente e eleitoral, nos últimos 15 anos, seja na gestão do Fernando Henrique Cardoso ou do Lula, demos início a esse processo. Fazer isso com eficiência, entretanto, exige parcerias com o mundo da sociedade privada, compromisso dos empresários, além da atenção de pais e mães como cidadãos. O que agrava a situação é a omissão de qualquer tipo.

CP Filosofia - Por mais que a família e a escola sejam atuantes na formação do indivíduo, não podemos renegar a relevância da mídia como fator de influência na vida das pessoas. E muitas vezes, por sinal, ela orienta de forma errada. Em sua opinião, qual a solução para esse dilema?

MSC - A mídia de natureza privada é majoritária no Brasil, mas, se nos referirmos aos meios de comunicação, ela é uma concessão do Estado. Por isso, cabe a ele, dentro dos níveis da democracia, fazer não a censura, mas exigir que sejam cumpridos os elementos indicados nessa concessão pública. Por outro lado, os meios de comunicação se sustentam à base de publicidade. Isso significa que há um papel forte dos proprietários da mídia para que ela caminhe em direção da ética e da decência e auxilie na elevação das condições de vida e de consciência de uma nação. Contudo, é necessário que o cidadão, se detectar em determinado tipo de mídia um encaminhamento negativo de valores, uma deformação dos conteúdos éticos, um consumismo e materialismo devastadores, boicote não só o veículo como os produtos que o financiam. Eu, por exemplo, não compro qualquer marca de cerveja que utilize sexismos em suas mensagens. Além de não comprar, divulgo a minha posição. Mas não basta que eu me recuse isoladamente, é preciso que eu junte mais gente nessa mesma lógica. Esta também é uma maneira de educar a mídia para que ela caminhe em uma direção de decência.


"É necessário que o cidadão, se detectar em determinado tipo de mídia um encaminhamento negativo de valores, uma deformação dos conteúdos éticos, um consumismo e materialismo devastadores, boicote não só o veículo como os produtos que o financiam."

CP Filosofia - Além da falta de ética verificada na mídia, tal característica pode ser encontrada em muitos outros setores, principalmente na política, como temos visto nos últimos anos, ou até mesmo em pequenos gestos familiares, com pais que ensinam determinado conceito, mas não dão o exemplo. Como ensinar o que é ética no mundo-cão que vivemos hoje?
MSC - A primeira coisa é recusar o mundocão. Recusar não significa não estar nele, mas recusar os valores que ele coloca. A família é essencial nessa postura e, de forma sequencial, a escola, a mídia e a igreja. Essas quatro instituições sociais têm uma presença enorme na vida das pessoas e também a tarefa de formação de valores que não se subordinem à ética da patifaria e da malandragem. Por outro lado, ética não é uma questão de princípios falados, e sim de natureza exemplar. É necessário lembrar que não é o outro que deve dizer o que eu devo fazer e sim as minhas convicções. O fato de todos fazerem algo errado, não me obriga a fazê-lo, mas me coloca a escolha de fazê-lo. Não se deve confundir ética com cosmética. Ética não pode ser uma coisa de fachada, seja na família, mídia ou escola. Nós temos partes podres na nossa vida social, mas elas ainda são minoritárias, mesmo tendo um grande impacto. Há milhares e milhares de homens e mulheres que são decentes e não podem ser reféns daqueles que não o são.

CP Filosofia – Está clara a proximidade entre a frágil educação e a criação de pessoas alienadas e submissas. Você acredita que este quadro vai mudar um dia? Qual a solução para uma sociedade na qual os alunos espancam professores? Em sua opinião, quais os fatores que desencadearam tal situação de desrespeito e insubordinação?
MSC – Não existe uma única causa e nem um único sujeito. Eles são múltiplos. Há a responsabilidade da família quando ela implanta a aceitação da violência nas relações, principalmente quando as crianças e jovens veem que a maneira de resolver conflitos dentro de casa é por meio da violência. Maus exemplos no dia a dia vão formando personalidades que supõem que a saída para a violência seja mais violência. Eu enxergo um cenário que precisará ser positivo. São necessárias ações cotidianas para que essas pontes para o futuro sejam criadas. A escola, por exemplo, não cria violência sozinha, apenas reproduz a violência dentro dela. Mas também pode ser um meio de diminuí-la se atuar com conteúdos que ofereçam sentidos à vida dos alunos. Só há uma solução para o problema: o enfrentamento da situação por intermédio de um mutirão de responsabilidade, que deve envolver a família, a escola, a igreja e a justiça. Muitos se omitiram, são complacentes e deixaram os professores reféns nas escolas sem se preocupar, sem participar das reuniões, sem olhar o que seus filhos estão fazendo e o resultado é esse. Algumas coisas na vida é melhor começar cedo antes que seja tarde.


João Guimarães Rosa
Escritor, poeta e médico mineiro nascido em Cordisburgo no dia 27 de junho de 1908 e falecido em 19 de novembro de 1967. Ficou conhecido por ambientar seus contos e romances no sertão nordestino e pelos elementos de inovação linguística marcados pelo viés regionalista, como nos clássicos de sua autoria “Grande Sertão: Veredas” e “Noites do Sertão”. Autoditada, conhecia idiomas de diversas nacionalidades. Tomou posse da Academia Brasileira de Letras em 1967, três dias antes de morrer.

CP Filosofia - Ainda em relação à educação, muitas vezes as crianças não sabem mensurar questões sobre minorias como pobres, negros, índios, entre outros, e acabam sendo agressivas. Como o ensino da filosofia, dentro da questão ética, pode ajudá-las em uma mudança de comportamento?
MSC - Se o ensino da filosofia trabalhar com a noção/ideia de pluralidade cultural, diversidade de vida e multiplicidade étnica, fará com que haja a compreensão do respeito à diversidade. Do outro lado, é preciso lembrar que essas minorias nas quais nos referimos são de poder e não numéricas. Pobres, negros, mulheres, homossexuais, entre outros, precisam ser tratados, no campo da ética e do ensino da filosofia, dentro do conceito que eu chamo de antropodiversidade. Lidamos muito com o conceito de biodiversidade, mas também é preciso introduzir a ideia de diversidade humana. Nessa direção, o ensino da filosofia não tem a exclusiva tarefa de fazer essa conversão, mas tem a força de oferecer fundamentos para que se pense, no campo da história humana e da reflexão filosófica, o lugar da diversidade.





Martin Luther King
Pastor e ativista político
norte-americano nascido
 no dia 15 de janeiro de
1929 em Atlanta, na
Georgia, Estados Unidos.
Ele ficou conhecido por
sua lutas pela igualdade
racial e defesa dos
direito sociais, porém
seus movimentos eram
 pacíficos, baseados no
 amor ao próximo.
Sua atuação despertou
o ódio dos que defendiam
a segregação racional nos
Estados Unidos e, em 4 de
abril de 1968 foi
assassinado em Memphis,
Tenessee, por um de seus
opositores. Sua frase mais
célebre foi: “Eu tenho um
sonho. O sonho de ver
meus filhos julgados pelo
caráter, e não pela cor da pele.”

Bioética
Pode ser definida como
um conjunto de pesquisas
em diversas disciplinas que
 vão além da área médica,
 como direito, biologia,
filosofia, ecologia, sociologia,
antropologia, entre outras,
que tem o objetivo de
esclarecer ou refletir sobre
 questões éticas, levantadas
 principalmente após os avanços
 da tecnologia em esferas
 biomédicas. Portanto,
a bioética é muito utilizada
 em temas polêmicos como aborto,
 eutanásia, clonagem, transgênicos,
célulastronco, entre outros,
 para tentar achar,
 sob a ótica de vários
 segmentos, um melhor caminho.

CP Filosofia - A má educação das crianças muitas vezes leva ao quadro que todos nós estamos acostumados a ver, com a população carcerária crescendo a cada dia. Como você vê esse assunto?

MSC – João Guimarães Rosa já dizia que o sapo não pula por boniteza e sim por precisão. Não é que um dia talvez a gente consiga fazer isso, a gente tem que fazer. Atualmente, o Ministério Público e os Conselhos Municipais e Estaduais da Criança e do Adolescente, em parceria com o Estado, trabalham com ações nessa direção. O fato de haver uma população carcerária extensa não é um sinal de fim dos problemas. Haja vista que o país que tem a maior população carcerária do mundo são os Estados Unidos e ainda sim é uma sociedade na qual a temática da violência, do menor infrator e do consumo de droga não foi eliminada. Não é apenas o enclausuramento de parte da população que resolve isso, mas sim uma melhor distribuição de renda, boas políticas habitacionais, a capacidade de oferecer uma boa educação escolar, ofertas mais dignas de trabalho, é isso que conseguirá dar conta dessa questão. O adolescente infrator não nasceu assim e não é infrator por um gosto. A infração tem explicações. O que não se tem é uma justificativa. Eu não vou justificar o latrocínio cometido por um menino de 16 anos dizendo que ele veio de uma família pobre. Isso não justifica, mas ajuda a explicar. A pobreza não torna justa a violência, mas torna clara partes das razões para isso. É importante frisar que a infração não é exclusiva do mundo da pobreza. Há um índice elevado de pessoas com condições econômicas favoráveis que também praticam a infração e a agressividade. O adolescente infrator será sempre resultado de uma sociedade que descuida das suas crianças e jovens. É preciso terminar esse ciclo de vitimação: a sociedade abandona, cria uma vítima que é a criança, e essa mesma criança cria outras vítimas quando começa a furtar, roubar, violentar, assassinar. É preciso, mais uma vez, recusar, se juntar, enfrentar e quebrar o vício de supor que isso é normal.

O filósofo Mario Sergio Cortella fala das várias agruras da sociedade moderna sob a ótica da instituição escolar.

Entrevista Mario Sergio Cortella – Relações de Poder


MINI CURRÍCULO

Filósofo e escritor, com Mestrado e Doutorado em Educação pela PUC/SP. Atuou por 35 anos como Professor Titular da PUC/SP, com docência e pesquisa na Pós-Graduação. É Professor convidado da Fundação Dom Cabral e ensinou no GVPEC da FGV. Foi Secretário Municipal de Educação de São Paulo. É autor de vários livros, entre eles:
A Escola e o Conhecimento – Editora Cortez
Nos Labirintos da Moral, com Yves de La Taille – Editora Papirus
Não Espere Pelo Epitáfio: Provocações Filosóficas – Editora Vozes
Não Nascemos Prontos! – Editora Vozes
Sobre a Esperança: Diálogo, com Frei Beto – Editora Papirus
O que é a Pergunta, com Silmara Casadei – Editora Cortez
Liderança em Foco, com Eugênio Mussak – Editora Papirus
Filosofia e Ensino Médio: certas razões, alguns senões, uma proposta – Editora Vozes
Viver em Paz para Morrer em Paz: Paixão, Sentimento e Felicidade – Editora Versar/Saraiva
Política para Não Ser Idiota , com Renato Janine Ribeiro – Editora Papirus
Vida e Carreira: um equilíbrio possível?, com Pedro Mandelli – Editora Papirus
Educação e Esperança: sete reflexões breves para recusar o biocídio – Editora PoliSaber
Qual é a Tua Obra? Inquietações Propositivas sobre Gestão, Liderança e Ética – Editora Vozes

Questão de Coaching: Qual a sua definição para Poder (autoridade/ambição/influencia)?
Professor Cortella: A noção de poder na origem é aquilo que tem uma capacidade de produzir uma ação ou de impedi-la. Então a própria noção de poder tem embutida aquilo que oferece uma possibilidade de fazer com que algo aconteça ou impedir que algo aconteça. Isso do ponto de vista etnológico é a própria percepção. Em latim é a ideia de potesta (latim) , é aquela que favorece ou dificulta. Por isso a noção de poder esta ligada ao que faz com que se faça ou impede que seja feito, ou seja, o exercício de uma força que impulsiona ou trava. Essa é a definição clássica de poder.

Questão de Coaching: E dentro da empresa, você vê alguma diferença na definição de poder?
Professor Cortella: Não, ao contrário, porque aquele que tem uma autoridade, que tem o exercício da força e do poder de mando, vai incentivar a ação ou impedi-la. Pode apresentar sim, uma diferença em relação a qual é a fonte do poder que ele carrega, ele pode ter um- poder que venha somente da hierarquia ou pode ter um- poder que venha da admiração, da liderança ou da capacidade de expressar sua competência. Algumas pessoas que têm poder baseado apenas na hierarquia, só conseguem exercer o poder acumulando (mais poder TIRAR), na medida em que a fonte não é o respeito, mas é o temor ou a obediência. Muitas vezes uma obediência que é cínica, é cumprida apenas porque manda quem pode e obedece quem tem juízo. Não algo que, tirada essa pessoa da hierarquia, alguém continuaria a obedecer.

Questão de Coaching: Como o poder se manifesta nos diversos níveis da organização?
Professor Cortella: Claro que se você imaginar o que é uma hierarquia – a expressão hieros em grego significa saber sagrado, no sentido de origem, princípio. Portanto a noção de poder na historia, tem como fonte a ideia divina – a hierarquia é aquela que estrutura na concepção de mando e de obediência, que tem como base o pressuposto de que aquilo é imutável porque é sagrado. Por isso algumas organizações fixam a sua estrutura de mando só na hierarquia. Nesse sentido, o chefe é intocável, inquestionável, alguém que chega próximo ao dogmático. Essas organizações que são bastante arcaicas estão envelhecendo, mas ainda mantêm esse tipo de estrutura, só que tem cada dia menos lealdade, menos retenção e menos admiração, seja para aquele que nela trabalha seja para aquele que com ela se relaciona. Um líder que não seja um mero chefe tem um poder advindo da competência, da admiração, do respeito.

Questão de Coaching: E como o poder se manifesta na base da pirâmide?
Professor Cortella: Ainda assim você tem algumas formas de expressão do poder que vêm em função:
Da experiência,
Do respeito pela idade
Do tempo de casa
Pela própria personalidade do funcionário.
Portanto, mesmo que o cargo não exista como diferenciação, as relações de poder se dão em qualquer grupo social, até dentro de um ônibus onde ninguém se conhece – a maneira como a pessoa se veste, seu porte, seu modo de se comportar e se colocar, tudo isso acaba lhe concedendo maior ou menor grau de poder.

Questão de Coaching: Você visualiza alguma mudança na relação com o poder em função da chegada da Geração Y aos cargos de liderança?
Professor Cortella: Sim, Pedro Mandelli e eu escrevemos um livro, no final do ano de 2011 chamado Vida e Carreira e um dos tópicos abordados é justamente sobre as novas gerações. O Pedro Mandelli diz no livro que as novas gerações estão chegando às organizações, mal educadas, porque elas convivem pouco com adultos, que com eles deveriam se relacionar como autoridade. Nos últimos 30 anos, nas grandes cidades onde se concentra boa parte da população no Ocidente, houve um afastamento entre pais e filhos em função da necessidade de jornadas de trabalho mais extensas. Isso fez com que uma parcela dos jovens tivesse um nível de soberania, em que eles passaram a confundir desejos com direitos. Em função disso , o jovem chega à organização sem noção de hierarquia e sem paciência e sem espírito de equipe, então as empresas têm que assumir um papel de educadora – os Ys precisam aprender a trabalhar em equipe, a ter senso de responsabilidade, para eles não suporem que os seus desejos se tornem direitos. As organizações mais inteligentes estão levando isso em conta, ou seja, os jovens são assim o que não significa que as empresas têm que se curvar a isso, mas têm que levar em conta – educá-los e perceber que eles são decisivos para o processo de desenvolvimento da organização. Os jovens têm uma competência poderosa, que é trabalhar com as plataformas digitais, onde a instantaneidade, velocidade, simultaneidade e a mobilidade são decisivas, portanto ele é alguém que chega com senso de urgência, mas que não tem paciência para pensamento estratégico. A empresa inteligente é a que junta os migrantes digitais com os nativos digitais. E ao fazê-lo entende que há muita coisa a ser aprendida com as gerações Y e Z, mas também existem coisas que essas gerações precisam corrigir. Essas gerações passaram também por um afastamento dos avós que exerciam uma linha de comando sem violência – na casa da avó pode tudo menos o que ela proibir. O carinho e o afeto ditavam um comando mais flexível. Essa flexibilização era aprendida por nós no dia-a-dia e esse afastamento faz com que o jovem conviva muito mais com os pares. A omissão dos pais é uma forma de poder, mas que fragiliza a disciplina. Uma coisa que as novas gerações entendem bem são os direitos de liberdade, a importância da autonomia, mas não se deve confundir autonomia com soberania. Autônomo é aquele que faz o que pode no âmbito da sua responsabilidade. Soberano é aquele que faz o que quiser independente dos outros existirem. Algumas famílias criaram, nos últimos tempos déspotas, terroristas, que agem como soberanos. Isso tem um impacto, quando chega à escola, que é o primeiro lugar onde eles passam a conviver fora de casa. Em que a relação docente e discente passou a ser o código do consumidor. O menino de classe media aponta o dedo no nariz do professor e diz que paga o salário dele. Portanto isto estilhaça outras formas de relacionamento. Assim como ele se relaciona com sua empregada domestica e um garçom, isto é, alguém que o serve. Esta visão, do outro como serviçal, é muito marcante.

Questão de Coaching: Como você acha que os Ys agem quando assumem uma posição de poder formal dentro das organizações?
Professor Cortella: De maneira geral eles são muito mais pragmáticos e despóticos. A expressão é: “Quero tudo, já, agora, ao mesmo tempo, junto”. Algumas empresas se valem desta condição para obter resultados imediatos o que é um equívoco porque o resultado imediato serve apenas para fluxo de caixa, não serve para perenidade. A vida, assim como o negócio é uma maratona , não é uma corrida de 100 metros rasos com barreiras. Se você observar, um atleta de alta performance para os 100 metros rasos, quando acabam os 100 metros, ele quase desmaia. Já um maratonista precisa lidar com a capacidade dele de trabalhar o ritmo, de olhar um pouco o processo, de enxergar a diante e não apenas o imediato. Uma parte das organizações deseja um velocista que dispara e chega num ponto e usa os jovens para isso.

Questão de Coaching: No sentido de liderança, a geração Y tem um foco maior no resultado do que em pessoas?
Professor Cortella: Sim, eles têm foco nos resultados, no imediato. O jovem precisa ser formado desde já. É uma responsabilidade da organização. Um dos investimentos fortes da área de RH é fazer com que o jovem não perca sua profunda habilidade em relação aos resultados mas acople a capacidade de convivência, de respeito mutuo, de objetivos compartilhados e portanto eleve a condição de trabalho e retire um pouco da marca individualista e consumista que foi instalada. Quando você compra para um menino de 12 anos um tênis que custa dois pneus de um carro, você está passando para ele uma ideia de valor do dinheiro, da vida e do trabalho. Você está ensinando para ele algo. É preciso deseducá-los para algumas coisas e é preciso também nos deseducar em relação ao modo como os mal-educamos. Nós também temos que nos educar em relação à tecnologia. A relação com a tecnologia não deve ser de formatofobia nem de formatolatria. Pessoas dizem assim em debates na escola: “professor meu filho passa 14h por dia no computador” então ele deve ser tratado porque ele tem uma obsessão. E toda obsessão é doentia. Se ele passar 14h estudando filosofia ele também tem uma obsessão e precisa ser tratado. O problema não é o que ele está fazendo mas, como ele está fazendo que é de uma maneira desmesurada, hiperbólica. Eu não conheço uma criança que só consegue existir se ficar “plugada” , se ela tiver algo mais interessante para fazer, ela vai lá e faz. Sempre dou um exemplo: Se você tem uma criança de 7 anos que está sempre plugada, leve-a para a praia e dê um balde e uma pá para ver o que acontece. A questão é o foco de interesse. E muita gente foca a tecnologia como se ela fosse adversária. Ela tem uma natureza instrumental. Nem sempre as pessoas vão a restaurantes porque eles anunciam que têm os melhores micro-ondas. Se eles anunciarem que têm fogão a lenha, pode ser que as pessoas se interessem. Alguns diferenciais na vida vêm justamente pela ausência. Essa transformação de átomos em bites não vale para tudo, o tempo todo.

Questão de Coaching: Existem tipos diferentes de poder dentro das empresas?
Professor Cortella: Você tem diferentes formas de ação do poder. O poder emana de várias fontes. Vai desde o poder legítimo que é o que emana da autoridade competente , como aquele que emana apenas da hierarquia. Vou te dar um exemplo simples: em uma reunião em que participam 8 gerentes no mesmo patamar hierárquico e um deles é uma mulher, é comum que ela seja solicitada a secretariar a reunião. Alguém da área de filosofia como eu numa organização é entendido como sendo alguém que serviria para alguns delírios e não para execução. O sujeito usa argumentos de autoridade em alguns debates. Ele diz assim: “mas eu sou engenheiro!” Como se o fato de ser engenheiro bastasse para garantir a realização das coisas concretas e práticas. Então este tipo de poder não esta escrito nem ele é de natureza funcional, mas ele opera. Existe o poder intra texto o tempo todo, na linguagem que se usa, na forma como você se veste. Várias organizações aboliram o cargo do crachá de maneira a horizontalizar um pouco mais o relacionamento. A intenção é positiva mas nem sempre se consegue isto porque a sala, o local do estacionamento, a roupa que se usa, isto tudo dá uma dimensão diferenciada. Então o poder não está presente somente na organização, ele está presente no conjunto da vida coletiva. Como diz John Done no poema “Nenhum homem é uma ilha” que a psicologia usou durante anos para estudar Melanie Klein. Ali ele lembra algo que é necessário. Quando você está sozinho você estabelece relações de poder. Seja com seu id, seja com sua capacidade. Como nenhum homem é uma ilha de fato, esta relação de poder aparece quando você está sozinho. Na historia de Robson Cruzoé onde ele está perdido, ele estabelece uma relação com o Sexta-feira, o servo dele. No filme O Naufrago, o Tom Hanks atribui uma relação hierárquica com a bola. Ele a chama de senhor. O poder é tão forte, de afeto, que quando ele a perde é uma das cenas mais emocionantes do filme.

Questão de Coaching: Como o poder pode influenciar no surgimento de conflitos no trabalho?
Professor Cortella: O conflito é sempre positivo e o confronto é negativo. O conflito é aquilo que faz criar, aparecer, crescer. O conflito é aquilo que passa do obvio, é aquilo que mexe, é aquilo que tem emoção, emovere (latim), aquele que movimenta. O conflito faz surgir o novo, ele faz aumentar o repertório de alternativas. O confronto é a tentativa de anular a outra pessoa. Por ex. Eu gosto muito de jogar peteca porque o que vale é manter a bola no ar. Eu não gosto de jogos com confronto como tênis em que você se especializa em prejudicar o outro ao máximo. A tua competência num saque vem de fazer o outro errar. Uma guerra é um confronto. A tentativa é anular o outro. Uma discussão, um debate, é um conflito.

Questão de Coaching: Como desenvolver o empowerment x hierarquia do poder dentro das organizações?
Professor Cortella: A hierarquia do poder não é negativa, então quando você coloca o “versus”, dá a impressão de que é algo a ser enfrentado. A hierarquia é uma coisa necessária para a organização. Burocracia não é ruim. Burocratismo é que é ruim. A hierarquia é uma maneira de você organizar. Por exemplo, numa sala de aula , existe uma hierarquia entre o docente e o discente e significa que nós temos funções distintas. Eu tenho responsabilidade que é diferente de um discente. Não significa que eu vou mandar nele para usá-lo, humilhá-lo, para oprimi-lo. Ele não é minha propriedade, não vou objetiva-lo, mas existe uma hierarquia e por isso, na relação com ela tem que haver flexibilidade para que o mando não seja desmando. Para que o uso não seja abuso, e nesse sentido, uma empresa, uma organização, tem que ter mecanismos de participação que criem retaguarda em relação aos desmandos. Não existe democracia em empresa. Isso é uma conversa mole. Democracia existe em sociedade de iguais, onde haja isonomia. Empresa tem proprietário, tem acionista, tem chefia fechada. Às vezes se fala que tem que aumentar o nível de democracia nas relações. Isso não tem sentido quando se fala do setor produtivo privado, tem sentido quando se fala de uma organização política, uma cidade, uma sociedade, uma nação…isso ,sem dúvida. Agora, o que se deve fazer numa empresa, é que o poder seja participativo, não democrático. É um uso inadequado da expressão democracia. Como poder participativo nessa relação, a hierarquia precisa ser mais horizontalizada porque ao se horizontalizar ela cria instâncias menos desnecessárias de uma nação de poder e portanto, ela flui com mais tranquilidade, que é o mando dentro da organização. Comunicação e reciprocidade são elementos decisivos. Ninguém deixa de obedecer a uma ordem apenas porque ela é uma ordem. Normalmente as pessoas o fazem, isto é, desobedecem quando não entendem a razão daquilo ou não querem, após ter entendido fazer, mas é preciso que ela, antes de mais nada, entenda. O fluxo de comunicação dentro de uma organização é decisivo. A hierarquia só não é agressiva quando o fluxo de comunicação não vai sofrendo interrupções, do contrário, a gente tem um AVC (acidente vascular cerebral).

Questão de Coaching: É possível uma pessoa aprender a lidar com o poder, tanto o que exercem sobre ele como o que ela exerce sobre os outros?
Professor Cortella: Não só é possível como é necessário. Hoje você tem várias formas de formação continuada, de treinamentos, várias formas de Coaching, que levam a pessoa a ter capacidade tanto de chefiar quanto ser chefiada, para que ela perceba :
1- Que há limite em relação aos dois modos de operação;
2- Que todo poder é transitório em relação a determinado tipo de afetividade e efetividade;
3- Que se consegue muito mais resultado quando, aquele sobre o qual se exerce alguma pressão ou mando, compreende o sentido que se faz.
Nesta hora, a capacidade de comunicação é um dos polos de formação daquele que exerce o mando e daquele que é mandado, no seu âmbito de obediência, quando ele também tem claros os objetivos daquilo que está sendo feito. Quase sempre a organização que não forma as pessoas nessa direção, obtém níveis muito fortes de stress. Há uma diferença entre cansaço e stress. O stress resulta de um esforço que você não entende a razão de estar fazendo. O cansaço resulta de um esforço intenso. Jogar uma hora de futebol cansa mas não estressa, dançar a noite toda cansa mas não estressa, trabalhar 14 horas cansa mas não estressa, a menos que você não entenda por que está fazendo aquilo ou não queira fazer. O cansaço você cura descansando. O stress você cura mudando de objetivo.

Questão de Coaching: Qual o grau que você acredita que uma pessoa pode aturar esse poder , caso ela ache que é uma coisa que está sendo prejudicial a ela?
Professor Cortella: Não existe uma métrica para isso. Dependerá muito de cada personalidade e como a própria palavra diz, é uma persona, um indivíduo. Não há uma métrica. Há um aprendizado, assim como existem os Alcoólicos Anônimos, existe também uma série de associações que lidam com isso. Nos Estados Unidos, na América do Norte, isso inclusive, é uma medida judicial. Existem grupos que você é obrigado a frequentar em relação a delitos de trânsito ou na convivência do trabalho, em relação a algum tipo de assédio moral, em que , afora as providências da empresa, possivelmente a justiça condena a frequentar sessões para irritadiços ou pessoas que não tenham capacidade de convivência. Eu, como sou da área de educação, acredito que as pessoas sempre têm salvação. Eu sempre acho que é possível algum movimento que retire aquilo que leve ao sofrimento, aquilo que leve à dificuldade. Existe uma relação complementar entre o que exerce o poder de uma maneira autoritária e o outro que é o submisso e que de repente, se prejudica mais que os outros. Hegel, filósofo alemão do séc.XIX, chamava isso de “dialética ao senhor escravo”. Existe um movimento em contradição, e até de identidade, em relação ao senhor escravo. O escravo sofria e o senhor sofria por ser o escravizador. É claro que os sofrimentos eram diferentes, mas ambos eram vítimas do mesmo movimento, que é a capacidade de desumanização. Aquele que desumaniza também é desumanizado pela própria desumanização que ele pratica. Portanto, eu vou lançar este ano com a Janete, com quem sou casado, um livro pela Editora Ática,chamado “ Educação e Preconceitos”, e lá se mostra que o preconceito torna ambos vitimas. Agora, existe algo que o filósofo Boeci chamava de servidão voluntária, que são pessoas que justificam e escondem parte de sua inação, parte do seu modo de acomodação dizendo : “eu prefiro obedecer”… De jeito que, ter que coordenar e ordenar, é algo que pesa bastante, pois é necessário assumir a responsabilidade pelo êxito ou pelo fracasso. É claro que nessa hora, voltando à questão de partida, aquele ou aquela que tem, nessa relação de poder, algo de aceitação, também está adoentado, ele também está decidindo trabalhar de forma robótica, automática e , portanto, está numa zona de conforto que é extremamente perigosa, e no campo da empregabilidade, mais ainda. Agora, nem sempre o déspota é esclarecido, portanto, o mando dentro de uma empresa, pode ter atividade despótica em que o déspota nem percebe. Ele acha que é assim, isto é, sempre foi assim. Que é a nostalgia do feitor, é a ideia do capataz, que é muito usual numa sociedade que só completou 100 anos. O ano passado fez 100 anos da ordem de Taylor. Então, um século da discussão Taylorista, e ele ainda é recente no modo de produção industrial mais contemporâneo em que a ideia do capataz, não ultrapassou uma sociedade que é escravocrata na origem. Isso a geração Y vem tentando , no dia a dia, porque como foi formada num ambiente não marcado por essa direção, isso dá outra visão. Por exemplo, isso é mais fácil nas sociedades orientais, asiáticas especialmente, onde a noção de hierarquia é fechada, como no caso da China, Japão e Coréia. Porque isso vem da família. Numa sociedade, por exemplo, você tem algumas regiões tradicionais. No Japão, eu sei, porque estive lá em atividades em 1984, em que a nora não come à mesa junto com a sogra, e ela só assume o seu lugar quando a sogra morre… Claro que isso não é no conjunto da sociedade, mas as sociedades ocidentais, têm uma noção de hierarquia diversa. Por isso é que a China obtém um sucesso muito forte no momento em que uma parcela do mundo do trabalho ocidental introduz discussão sobre a qualidade de vida, humanização do trabalho, espiritualidade. Por isso é que o nível da produção recuou em parte da produtividade ocidental e aumentou nos países asiáticos, no caso, especialmente da China e Índia. Não é a toa que um dos grandes empresários chineses disse esses dias, que o brasileiro é um pouco folgado. É preciso lembrar que Confúcio, que é um gênio do pensamento, trabalha a principal noção que é a hierarquia. A influência oriental é tão grande que aqueles que têm saudade disso, o livro que mais leem é a Arte da Guerra. E agora entrou em moda nas empresas trabalhar com “Tropa de Elite”. Todo evento que você vai tem uma discussão, tem a questão, tem as pessoas se vestindo, os nossos homens, os nossos combatentes, “pede pra sair”. Isso cria um ambiente absolutamente instável interno porque ele se assemelha a um confronto.

Questão de Coaching: Qual o limite do poder para que não seja transformado em assedio?
Professor Cortella: O assédio, sendo entendido como moral ou sexual, é uma forma de exorbitância do poder. Aliás, ele tem como salvaguarda, para quem assedia, exatamente o poder que ele detém. E nisso é preciso que se criem várias formas de combate no cotidiano: mecanismos de denúncia e transparência. Usando uma antiga frase, “o sol é o melhor detergente”. Quando você tem esse tipo de sujeira, você tem que começar a dar clareza, de maneira que ela seja exemplar. A prática do assédio entra diretamente nesse campo como sendo o poder que transborda para o negativo, a pessoa se vale do poder. Então é alguém que não tem o poder que serve, mas é um poder do qual ele se serve. E isso sem dúvida retoma posições escravocratas em relação ao trabalho do dia a dia.

Questão de Coaching: Por que o poder corrompe?
Professor Cortella: O poder é sempre passível de corrupção. Há um nível de corrupção possível para qualquer um de nós. Há uma frase antiga que diz “cada homem tem seu preço” e é verdade. A grande discussão é como eu chego lá, ou não. Então essa é a discussão. É preciso que se tenham valores que sejam mais sólidos para saber que a corrupção é uma possibilidade. Ela não é uma obrigatoriedade, mas ela é uma possibilidade. E se ela é uma possibilidade, ela nunca será extinta. A corrupção só seria extinta se nós extinguíssemos a liberdade. Eu fui Secretário da Educação da cidade de São Paulo e eu tinha ascensão sobre 65 mil pessoas, que eram os funcionários. Manejava um orçamento de 5 bilhões de reais, ou seja, as ocasiões elas são contínuas. Aí é uma questão de princípios, de valores, e ao mesmo tempo de saber qual é o preço que se paga e o preço que se aceita. O Barão de Itararé dizia que um homem que se vende sempre vale menos do que pagam por ele. Mas algumas pessoas continuam se vendendo, mas não se vendem só por dinheiro. Muita gente se vende por um elogio, por uma adulação, por cargo, por um nome na porta. Aquela forma tola, aquela forma banal de vaidade. A vaidade ela é uma das formas mais fortes de ignorância.

Questão de Coaching: Qual a relação do poder com a moral?
Professor Cortella: Não tem como retirar a ética, ela é o modo como nós estruturamos nossa forma de relacionamento com o poder. O poder está o tempo todo, em todos os momentos, e a ética é aquilo que “concerta”, faz o concerto dessas condições. Portanto a ética e a moral, estão dentro do nível do poder. Porque a ética tem a ver com liberdade e poder também.

Questão de Coaching: As declarações de missão, visão e valores das empresas são formas de conduzir a conduta das pessoas em relação ao poder?
Professor Cortella: Claro! Elas têm ali qual é o horizonte, e é preciso fazê-lo! Uma pessoa pode concordar ou não com aquilo, se não concorda, não fica. Se precisar ficar porque é obrigada a ficar pela sobrevivência, então ela não está aderindo. Ela está apenas por ser conveniente. Mas visão, missão e valores precisam ser colocados. Alguns anos não se fazia isso porque não havia necessidade de convencer as pessoas, bastava vencê-las com o poder. Quando você precisa convencer, aí você tem que deixar claro qual é a missão, quais são os valores, qual é o horizonte.

Questão de Coaching: Quais são as possibilidades que o senhor visualiza para trabalhar com o poder para que ele seja bem utilizado dentro das empresas?
Professor Cortella: É preciso formar os líderes e os liderados. É preciso fazer com que chefias sejam preparadas para serem lideranças, portanto, que elas tenham algumas habilidades. Algumas delas são muito diretas, isto é, uma mente mais aberta em relação àquilo que não é idêntico ao modo como penso e sou; a capacidade de perceber o quanto o trabalho em equipe é cada vez mais decisivo, e que, portanto a noção de competência mudou, a noção é mais coletiva, não é no indivíduo apenas, é o indivíduo em um grupo; em terceiro lugar a percepção de que é preciso inovar a obra que se faz à medida que é feita, se ela não for renovada, ela fica extremamente redundante, tautológica, e isso leva a um retrocesso. Por outro lado, ser capaz de oferecer espaço para a alegria dentro do local de trabalho, seriedade não é sinônimo de tristeza, o contrário de seriedade não é alegria, o contrário de seriedade é descompromisso e, portanto, aqueles que fazem com que exista maior respeito porque fecham a cara, estão sendo é, apenas e tão somente, mal humorados e rabugentos. Ele não está sendo sério. A alegria tem que ter espaço, as pessoas têm mais vitalidade quando elas têm alegria. E por fim, que ele se prepare para pensar além do agora, isto é, que tenha pensamento estratégico. O Coaching ajuda a fazer isso, as formações continuadas, alguns dos programas de pós-graduação no nível das camadas executivas também funcionam, algumas literaturas acabam oferecendo a possibilidade de reflexão. Não há uma única fonte, esse conjunto de direções é que acaba permitindo que alguém entenda o poder como sendo um serviço. O Eugênio Mussak e eu temos um livro que trata disso que você está falando, chama-se Liderança em Foco. E lá tem uma parte inteira sobre o poder, em que essa sua questão é tratada exatamente com esse foco, quer dizer, digo eu por exemplo, retomo, a finalidade do poder é servir. Todo poder que ao invés de servir é um poder que se serve, esse é um poder que não serve! Certo? Servir a uma comunidade, servir a um grupo, servir a uma estrutura. Repito: todo poder que ao invés de servir a um grupo serve a si mesmo, esse poder não serve. Porque poder é serviço, quando ele não é, ele é malévolo, ele é deletério, ele é algo que faz mal.

Questão de Coaching: Qual seria uma frase ou mensagem que o senhor gostaria de deixar para os leitores do blog?
Professor Cortella: Eu acho que a expressão mais forte é aquela que o grande Sócrates trazia lá no Século V antes de Cristo, que é uma lição de humildade intelectual: “Só sei que nada sei.” Sócrates não era tolo, quando ele dizia “só sei que nada sei ”, ele não estava fingindo modéstia. O que ele queria dizer era só sei que nada sei por inteiro, só sei que nada sei por completo, só sei que nada sei que só eu saiba. Nesse sentido, só sei que nada sei, é uma demonstração de humildade intelectual. Sempre temos que aprender e Guimarães Rosa dizia isso: “gente não nasce pronta.”